sexta-feira, fevereiro 26, 2021

uma xícara de chá

 Ele parou por um instante e deu mais um gole no chá. Era calor, a cidade era o Rio de Janeiro, mas mesmo assim o dia parecia pedir uma bebida quente e sofisticada. Do outro lado, estava ela. Quieta, reativa. Provavelmente tomando uma coca-cola ou qualquer outro líquido de cor escura e bolhas (“fazem cócegas no céu da boca, você sabia?”) e pensando em como ele era imbecil de, depois de tudo, ainda tentar falar mais do que duas palavras com ela.


Ainda assim insistia.

O chá tinha o mesmo gosto de sempre. Afinal, por que raios havia sabores? No fundo, todos pareciam água suja e tinham gosto de uma erva qualquer. Sofisticado porra nenhuma, é bebida para aquelas velhas que passam o dia filosofando sobre como era bom quando elas eram jovens, como se elas lembrassem como era bom quando elas eram jovens. Lembram porra nenhuma. Coca-cola porra nenhuma. Enfim.

Ainda assim insistia.

Ela já tinha ido embora, mas ele continuava a beber o chá. Frio, escuro, enfiado na cadeira como se tivesse sido plantado e germinado ali. Ela devia estar pensando em como ele era imbecil de, depois de tudo, ainda tentar falar mais do que duas palavras com ela. Mas o dedos dele estavam trêmulos e ele só sabia perguntar se tudo estava bem . E ela virando as costas como se nada ouvisse (“eu só ouço o que quero, você sabia?”) e caminhando lentamente para o fim do corredor.

Ainda assim insistia.

Essa merda de cadeira dói a bunda. E as costas também. Porra, como eu odeio essa cadeira de merda. E esse chá de merda, que já tá frio. Vai embora porra nenhuma, você tem que me ouvir. Você não é uma daquelas velhas surdas que passam o dia vagabundeando pelas calçadas da rua, fechando o caminho de quem tá com pressa. E eu tenho pressa, e elas tão sempre no meu caminho. Como você. Porra nenhuma. E você, tá bem?

Ainda assim insistia.

Bem porra nenhuma.

sexta-feira, setembro 27, 2019

"Um pouco de você em mim Talvez pudesse me fazer bem Assim como um pouco de mim em você também"


Parece que me falta algo, o que me tornaria capaz de perceber o que deve ser feito em cada ocasião. Hesitante, nunca sei se há ou não um momento, então deixo para lá, penso que não é para mim e aceito a condição de incapaz. Só depois, quando ponho a cabeça no travesseiro, penso em "mil-e-uma-formas-de-fazer-o-que-devia", choramingando a falta de sorte e fingindo ignorar o saber de que a culpa é minha por não conseguir perceber os malditos sinais. Ou, pior até, conseguir perceber sim, mas não ter coragem para acreditar, carregando o fardo de frustrações passadas como se elas fizessem parte de um ciclo, como se jamais pudessem se encerrar. Medo, medo, medo. Por que é tão difícil arriscar? O que há para ser perdido? E o que já não foi perdido pelo não-agir? É preciso menos complicação e mais atitude - eu ouço as paredes me repetindo isso o tempo todo, aos berros. Sim, é claro, está certo, eu sei. Mas falta algo em mim, aquilo que não deixa tudo ir. E aí não adianta trazer o cheiro para casa, especular sobre aquele gesto ou dizer palavras tortas na hora em que não é mais adequado, porque já foi. As cortinas fecharam e o gongo soou. Tal qual naquele cinema, quando estava no começo e nada mudou. Porque eu não soube fazer diferente. Nunca sei. Só aprendi a assistir, não a atuar, e é a vida que não é arte a única que sei viver. Aplausos poucos, preguiçosos. Um cumprimento tímido. A noite se vai, a ocasião também. Faltou você. Ou eu. Sigo me repetindo. Nas dúvidas sou destinado a perder.

segunda-feira, maio 06, 2019


Ao som de Marvin Gaye, escrevendo. Sim, férias. Qual não motivo para não tê-las? Realidade é hard de suportar. Por vezes a gente pira, eu particularmente piro a todo momento. O que mais me irrita nesse mundinho de merda é sua superficialidade, não só do mundo mas dos seus habitantes também. Em sua maioria. Falo com MUITA, mas muita tranquilidade, 99,9% são fúteis, bitolados ou alienados, quiçá tudo isso junto. É o que penso. Sensação de “I don't belong here” – like Creep do Radiohed mesmo.
Talvez eletrochoque seja uma saída, para não pensar em algo mais abrupto. Poucas, na verdade, quase ninguém está preparado para verdade, se estiver, não quer ouvir. Fódas. Não é meu problema, meu problema maior é TER que me relacionar com elas, ou talvez, como disse Jair Naves, em uma de suas músicas me embalaram em bebedeiras afinco:
“A vontade de dormir pra sempre
que eu não jamais chamaria de sono”  - Minha Cúmplice, Minha Irmã, Minha Amante – Jair Naves.
E foi num desses shows, mais um deles que eu me achei, eu tento fazê-lo. Até hoje. Até hoje. Incompreensível até hoje.
Enfim, divagando sobre as pequenices da vida, me pego nesse mundo, competitivo, ignorante, aonde uns gostam de se ludibriar com musicas, bebidas, drogas, companhias nefastas. Só por hoje. Só por hoje. Mas para mim isso não basta. Seria a existência humana resumida a isso? Enganar pensamentos e impulsos? Vontades? Ser Cortez quando na verdade a gente tem uma puta de uma vontade de mandar todo mundo ir se foder? Tenho feito isso, sabe? Na boa? Não mudou nem pra melhor e nem para pior minha vida, eu aceito as consequências, eu SOU as consequências. Quer bater de frente, que venha, porque bater de frente comigo, amigo É LENHA!
Daí vem nego que não sabe da porra da minha vida e fala: “Mano, tu tem que jogar a porra do jogo!” Quem me conhece sabe a resposta, é afiada e cruel, algo do tipo, não jogo seu jogo, amigo, seja feliz com sua amiga-namorada que você gosta de mostrar para os amigos e ainda, dizer para o mundo todo que é feliz, MAS EU SEI QUE VOCÊ NÃO É, eu conheço VOCÊ. Isso não me pega, não hoje, não mais.
Já disse antes, já provei do sangue na minha cara, a dor já faz parte do total, todo mundo vai se ajoelhar e pedir perdão pelos seus pecados pagãos. Pobres humanos, Eu,  você, vocês, todos nós.
Porém, ver a vida dos outros é mais confortável,  ainda mais quando aparentemente se mostra pior do que a tua, daí você dá aquela suspiro, que só você acredita, convenhamos: “Pobre fulano de tal, tadinho, que pena esta vida que ele anda levando”. Na boa? Me cago de rir, sabe o que eu sou teu? SEU ESPELHO. Espelhos jamais perecem, e perdem o reflexo, uma hora tu vai se ver. E vai, lhe garanto. Não vai se gargalhar e nem olhar com dó, mas com dor, muita. Muita. Viver é fóda.
Isso é tudo pessoal!

sábado, abril 20, 2019

Vamos falar sobre nós e algo mais, eu sei

E ele disse a ela assim:

-Sabe, andei pensando, a vida anda tão corrida que mal temos tempo um para o outro. Para trivialidade e divagações. Coisas simples, sabe?

Ela respondeu assim:

-É, eu tenho sentido isso também, não iria falar sobre isso para não te deixar pensativo e talvez chateado, ou preocupado. Sei das suas aflições e lutas... Afinal, eu sei de você!

Respondeu:

-Pois é. Estive pensando de a gente ficar o dia todo aqui, deitado na cama, simplesmente vendo TV. Desligarmos o celular. Mandar um puta fódas-se para o mundo externo e focar na gente. Acho que o corpo e alma agradecem. Quero ficar aqui, apenas te admirando. Não precisamos nem conversar, quero só te olhar. A gente pode ver aquela série que você tanto gosta, pedir uma comida e ficar juntos. Acho que faria bem.

Ela não disse nada. Lhe deu um abraço longo e apertado. Sem nenhuma palavra. O chamado "sim" tácito. E assim passaram todo o dia. Essa foi a DR menos DR já vista na história da vida humana na face do planeta Terra. Por mais oportunidades assim.

segunda-feira, janeiro 21, 2019

Sabe a distância entre sonhar e viver é pensar demais E não se jogar


Ela pensa que fala (a alma é muda). E a solidão que a toma, como em um turbilhão, ensina o caminho de se afastar de si. A respiração é pouca, os gestos são brandos. Ela não podia estar ali. Por isso, não vive, não deixa, não aceita. Diz adeus quando deveria dar abraços. Pede perdão quando o certo é um obrigado. Só vai seguindo. Só, vai seguindo. Só vai, seguindo. Não volta. Não pode voltar. Não quer. Mas não é dela o devir. Nem o saber. Apenas o sentir, que já não está ali. Porque não quer estar. Porque não deve. Porque é assim. Ela disse.

Ele não.

E a vida que perde é o que ela ganha no fim.

***  ***

"Tá tudo bem, mas tá esquisito

Nesse lugar, na minha posição
Eu sei pra você é difícil perceber
Tomar partido e resolver de uma vez essa situação
E é só dizer de uma vez a sua opinião

Coisas da vida, que sirva como lição
Cotidiano acumulado
E tão engasgado na sua garganta
Seca e vazia, sem voz

Eu perguntei só pra saber se você vai ou se vem
Sabe a distância entre sonhar e viver é pensar demais
E não se jogar
Às vezes a gente vai ter que lidar com ganhos e perdas
Ainda não dá pra saber, vamos aguardar"


domingo, julho 01, 2018

1/2 - Um tipo de metade

Era quase brilho que se via naquele meio olhar. Um quase-sorriso debruçado numa meia felicidade, uma lua semi-nua de um dia quase findo. Ela era quase jovem, quase ingênua em sua total paixão. E se sentia parte completa, mesmo quando dele vinha não mais do que meio aceno. Porque sabia das meias verdades que tomavam seu mundo por inteiro, e achava um todo sentido naquilo que podia não ser nada (e talvez o fosse para aqueles que sempre acreditam no nunca). E mesmo quando ele prometia muito e aparecia com pouco, ela era repleta de alegria vazia. Mas não ligava. Sabia que era quase tudo o que alguém podia querer em uma vida inteira, um amor incompleto cheio de certezas de momento. Porque durava o tempo de um meio-abraço apressado ou de um quase-beijo dado desconcertado. Porque deixava uma vontade imensa de ter um pouco mais. E era sempre assim quando no meio de tudo estavam os dois, formando um. Quando os incompletos viravam duas partes de um mesmo só. Quando o meio-sorriso virava quase-felicidade, e o dia semi-começado levava a lua quase nua. E o meio brilho do quase olhar virava tudo o que eles podiam querer para sempre, um amor completo sem as incertezas de um quase-abraço desconcentrado por um beijo meio embriagado. Até quando ela ligava e dizia verdades inteiras que soavam meio fora do mundo e davam muito sentido para o que parecia tão pouco para uma vida inteira de poucos dois que formavam um imenso um só. Totalmente completos por nunca acreditarem que o sempre deixava repleto de alegria o que era apenas vazio. E o aceno não era mais parte, pois estava completo. E no fim de tudo encontravam o seu início feliz.

quarta-feira, novembro 22, 2017

Se eu começar

Respirou fundo, abriu os olhos e se levantou do chão, de onde costumava a ficar por muito tempo, quiçá por noites e noites a finco. Não havia mais ninguém ali, e a chuva que caía do lado de fora era menos triste que as velas acesas por toda parte - o que isto lembra?, ainda que se fizesse luz em meio ao breu naquele instante. Caminhou com passos pesados até a porta, cada passo era uma vitória, ouvindo atento cada pequeno som que pudesse mudar seu destino (ele não acreditava nisso, mas agora tudo parecia tão surreal que talvez houvesse lógica no absurdo - Há?). Chovia forte agora, muito, e nada se via lá fora. Abriu a porta. Não havia mais o que o prendesse ali. Seus braços esticados como asas e uma corrida sem pensar e questionava qual seria o destino. Lágrimas escorriam dos olhos. A água gelada em seu corpo trouxe de volta o alívio que anos de angústia levaram com sua vontade de viver. Nada se via. Novamente. Só seu corpo parecia capaz de sentir. Abraçou a si mesmo com forças e deixou seu corpo escorregar para o chão. Ali mesmo dormiu, jogado a ratos e sujeira que sintetizavam sua existência. Talvez, em algum sentido, perene. Talvez não.