quinta-feira, junho 25, 2009

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E outra vez, ele olhou para o calendário na parede. Parecia não acreditar que a data era a que mostrava na folha, que um ano havia se passado com uma velocidade tão absurda, comum? Lembrou-se dos sorrisos, das promessas, dos beijos. E de tudo que fizera depois de todos os atos. De como suas certezas viraram dúvidas, de como suas garantias fugiram dele mesmo. Já estavam no carro, ele impassível, ela inflexível. Passos que se vão, apressados. Um tchau virando um adeus. E a ilusão de que fazia o certo começando a se desfazer no segundo seguinte, repente.

Por isso, o calendário doía, nefasto. Faltava algo ali, sempre falta algo. Os mesmos sorrisos, os beijos mais acostumados, as novas promessas, nem tão novas assim. Não aquele vazio, aquela pergunta gritante sobre o que teria sido. Sempre lidara mal com escolhas, e agora tinha a sensação de que a única que fizera acertadamente foi desfeita pouco depois, por uma sucessão de atos que poderiam funcionar como a síntese de sua vida. Mas era impressionante como tudo ainda era vivo em sua memória. Logo nela, que sempre costuma falhar. Logo nela, que sempre faz questão de esquecer...

“Três anos”, suspirou. Pensou no significado que aquilo tomava, no tanto que havia para ter sido feito nesse tempo e que simplesmente deixou de ser. A vida seguiu seu curso, com áspero egoísmo, muito aconteceu e quase nada estava no mesmo lugar. Não podia dizer que tinha sido ruim esse tempo. Só era impossível negar que queria que ela estivesse ali. Vitórias eram importantes ao lado dela, mesmo aquelas que não viessem, algo a ser divido, mas nunca sofrido,apenas vivido.

Por fim, rasgou o calendário. Muitas horas ainda faltavam para que ele se encerrasse, mas pensou que pudesse abreviar as lembranças assim, amenizar talvez. Era mais uma tentativa de se enganar, como tantas outras que surgiram nesses 365 dias em que frio, calor, viagens, aprovações, devaneios inócuos, descobertas, fracassos, bebidas e tanto mais se deu sem ela. Deitou-se na cama e acendeu um cigarro. Sorriu, sem nem saber por que o fazia. E resmungou baixinho, como quem não consegue segurar um pensamento absolutamente indevido: “na verdade, dói pra caralho você não estar aqui”.
Ps: Créditos da bela foto acima, eis que foi retirada do belíssimo filme "Control", que conta a história de Ian Curtis. Assim, escrevi este post também.

quarta-feira, junho 17, 2009

Conto de uma refeição

Caminhou o rapaz em busca de sua refeição.
Chegando ao estabelecimento de alimentos, sem pressa, pegou o prato acompanhado dos talheres devidamente embrulhados e cuidadosamente enrolados num guardanapo, com um saco plástico. Higiene, ainda que meramente visual é agradável...
Não havia muito tempo que fazia sua refeição por lá. De certo, não é complicado agradá-lo. Tem lá suas peculiaridades e escolhas aliementares, mas nada que fuja ao padrão comum.
Olhou o que havia a ser oferecido, e foi se servindo. Seu prato em pouco alternava. Fazia sempre as mesmas opções; digamos sê-lo um conservador dos alimentos. Alimentos, apenas?
Não costumava muito olhar para as saladas, pensava em sua mente: "Sabe-se lá se isso foi devidamente lavado, quiçá fora lavado... Melhor não me arriscar! Tenho meus meios de ferrar com minha saúde que não com hortaliças".
Sentou, desenrolou os talheres, um pouco de sal na batata. Começou a se alimentar.
E, no meio do procedimento fora surpreendido...
É que no meio do feijão havia uma pedra...Havia uma pedra no meio do feijão.
Sorte de ter dentes fortes, não sentiram muito o abalo causado pela minúscula e nefasta pedra do feijão. Fora brevemente localizada e colocada em quarentena numa parte do prato. O dente estava intacto.
Talvez da próxima vez irá comer com alguma cautela, talvez.