quarta-feira, outubro 20, 2010

Eu falo sério, mais uma conclusão periódica

E consigo sair do meu castelo, me puxo para cima, levantando os olhos de uma forma tão serene e hostil, quanto o silêncio do impacto da bomba nuclear naquela cidade japonesa, numa pacata manhã.

Sigo meu caminho, ou será que seria esse caminho quem me segue? Ando, penso, por vezes duvido da minha existência, mas sei que tudo que existe em volta é, de fato real, e pode me matar.
Meus hematomas vão ficando cada vez mais latentes, os ossos doem, a cabeça começa a falhar com certa constância. Parece que estou morto, morto e tão feliz.

Acendo mais um cigarro de estopim, mais uma dobra nas mangas da minha camiseta já bem velha e desgastada, além de vivida também. o Calor está de matar. parece que estive numa briga. Aliás, eu estou numa briga, numa eterna briga com a vida. Na verdade, bem no fundo da verdade, esses hematomas são meus amigos.

Minha calça já velha, junto com minha alma suja caminham. Me lembro de jogos do Atari, onde eu controlava o camaradinha. Por vezes me sinto assim, e sempre que me lembro, faço questão de fazer de tudo bem diferente. Não quero aceitar isso. A verdade é que eu nem sei como esse corpo caminha, mas caminha.

Chego a pensar que sou um eterno devorador de solidão, e de solidão em solidão vou completando a minha. Eu tento, eu penso e por vezes eu costumo agir.

quinta-feira, outubro 07, 2010

Em mais um conto para Caronte

Totalmente pálido e com um corpo cansado após travar sua batalha contra a nebulosa, decidiu que não mais iria se levantar da cama. Com a carne ardendo e os ossos se comprimindo tinha a total certeza que na cama do seu quarto seria o melhor lugar, mais seguro. Imune a qualquer coisa. Não havia nenhum motivo para sair daquele lugar tão aconchegante. E são seis horas, nove horas, três horas, tudo bem. Apesar de não ter nenhuma ideia das horas.

A total escuridão do quarto o fazia acreditar que nada além dele existia ali e conseguia dispersar os pensamentos que lhe faziam sofrer. A verdade é que passou a odiar lembranças, queria poder apagar seus momentos ridículos da memória para que nunca mais viessem à tona nos momentos mais indesejáveis.

Mesmo sem ter ideia das horas, sabia que era madrugada pelo silêncio de tudo. Porque será que ele nunca conseguia simplesmente colocar a maldita cabeça no travesseiro e desligar? Ele se martirizava pensando em seus fracassos, fazendo uma lista das pessoas que se cansaram dele, reencontrava experiências e via que seus erros se repetiam com soberana frequência, tudo isso o fazia chorar. Daí é a hora de todo mundo dizer que ele se tornara um fraco, é verdade.

O mundo e suas criaturas se tornaram complexos demais para ele, se encontrava preso no espelho por longo tempo que nem sabia ao certo se eram cem anos, seis meses, três dias, tudo bem, tanto faz.E via aquele monstro escovando suas três fileiras de dentes. Morria de medo de viver com as outras pessoas, pensando que elas sim seriam uma ameaça para a sua felicidade... Foi se afastando de todos aqueles que tinham um tipo de carinho por ele. Mal sabia que sequer havia uma felicidade a ser estragada e que tudo isso seria apenas uma metáfora da sua vida em diante.

Pensando em não querer mais estar lá, por qualquer motivo para se levantar se lembrava que os seus castelos já foram destruídos.
Chorou mais uma vez.

Acabou descobrindo que precisava mais do que escuridão e um quarto para fingir ser feliz, mas era um pouco tarde para que as coisas pudessem ser diferentes, havia deixado muita coisa para trás e agora nem São Jorge vai lhe proteger.

Tinha que ter aprendido a viver no universo real. Simples, extremamente simples, fácil e didático se a vida não fosse a vida.

*Caronte (em grego, Χάρων — o brilho) era uma figura mitológica do mundo inferior grego (o Hades) que transportava os recém-mortos na sua barca através do rio Aqueronte até o local no Hades que lhes era destinado.
Era costume grego colocar uma moeda, chamada óbolo, sob a língua do cadáver, para pagar Caronte pela viagem. Se a alma não pudesse pagar ficaria forçosamente na margem do Aqueronte para toda a eternidade, e os gregos temiam que pudesse regressar para perturbar os vivos.