segunda-feira, outubro 30, 2017

Você está navegando sem deixar rastros

No dia em que parti seu coração, posso me lembrar de vê-la sair andando, e, parar mais a frente, olhando com fúria e me dizer: “desta vez, você passou dos limites”. Naquela hora, eu entendi que havia magoado a pessoa que menos merecia e da forma mais cruel possível, mas quis acreditar que não era para sempre. E era. Foi assim que os dias viraram anos, e a ausência virou rotina. Aos poucos, fui desacostumando a sentir tudo, e colecionando vítimas da minha frieza a cada relação terminada. Buscava por complemento e só encontrava ausência. Vazio. A carne, assim, virou lata, e as paixões unilaterais não tiveram uma gota do meu cuidado. Acreditava estar seguindo em frente, buscando em  outros beijos o amor que apenas sentia nos seus, só que andava em círculos – hoje eu sei. Terminei por espalhar sofrimento de maneira irresponsável, magoando quem só queria me salvar e errando tantas vezes quanto eu pudesse e não pudesse errar. Eu devia saber. Afinal, eu nunca dou valor, você me dizia, talvez encantado por uma vida de excessos que não me deixava sequer sentir de verdade. Errei. Colecionei histórias que não merecem sequer uma página. Memórias construídas que não pulsam por um segundo sequer. Nem tenho mais você, nem terei ninguém. Porque o dia em que parti seu coração, lembro-me de pensar que era melhor doer e sangrar ali para não doer mais. Bobagem! Naquele mesmo dia eu comecei a sangrar – e parecia ser impossível cessar. Desculpa. Desculpem. Eu desaprendi a fazer o bem para quem pára por aqui. Hora de ir. 

quinta-feira, outubro 26, 2017

Devorador de memórias

Nota-se que as últimas palavras foram as dela, escrever ainda era difícil. Sangrava um pouco a cada toque no teclado, cada letra no papel amassado, deixando um pedaço dele mesmo. O resultado, apesar de que para muitos parece belo, era doloroso. Depois disso tudo, a folha e o bloco de notas precisou ficar muito tempo em branco, uma história esquecida de passados nem tão distantes. Até que ela apareceu por aqui, entre um presente escondido e um texto relido, como se quisesse garantir que tudo estava em seu lugar. Mas ele já não ouvia mais a banda tocar. O cheiro dela havia sumido. Voz inaudível. A única coisa que restava era uma prosa de despedida, dessas mesmo que a gente escreve para dizer que já não se importa. Feita sob medida para quem escolheu virar sombra de sentimentos que eclodiam.  Você então me interrompeu:  “- Faça um favor a si mesmo...”