quarta-feira, março 23, 2016

Velho Mártir

Todos me perguntam por qual motivo tenho evitado diálogos e conversas que somente me levam à fadiga. A questão é muito simples, não ando tendo muito saco para expor o que penso, e na verdade, cago e ando para o que irão pensar sobre o que penso. Não tenho NENHUM compromisso em convencer ninguém e muito menos esse suposto convencimento farão das minhas ideias tornarem-se mais legítimas para mim. Sem compromisso.

Noutro ponto, a melhor companhia tem sido a televisão com seus shows americanos e escrotos, que nada acrescentam, é verdade; mas a TV não me propõe interação. Basta eu ficar calado, quieto, na minha, vendo esses showzinhos de horrores. Repito: calado. Isso me poupa tempo, saco e paciência. Tenho que lidar com humanos ao longo de todo meu dia, tudo tem que ser resolvido rápido e preferencialmente de graça, quando não, a um custo irrisório. Tem sido assim. 

Parei para pensar um pouco.

Acordei acreditando que era possível mudar a mim mesmo. Refazer passos, rever conceitos, reaprender a vida. Por isso, calcei os chinelos e fui encontrar o mundo.

Pena que ele passou uma rasteira e, quando vi, minha cara marcada no chão lembrava o quanto estou preso ao que sempre fui.

segunda-feira, março 21, 2016

“Vai viver, cara”


Achei a história deveras bonita e marcante. Resolvi colocar na íntegra ao invés de resumir; não acredito que um resumo seja capaz de traduzir os escritos abaixo. Retirado de: http://vamosfalarsobreoluto.com.br/2016/01/09/vai-viver-cara/


“Vai viver, cara”

O publicitário Paulo Camossa, 50, se viu diante da fragilidade da vida depois de perder a filha Amanda, na época com 18 anos. Sete anos depois, ele tem uma resposta clara sobre como conseguiu dar um novo sentido à própria existência: nunca rompendo com a memória e tentando viver com a mesma intensidade que Amanda viveu
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Depoimento a Laura Capanema

Paulo e a filha Amanda: separação precoce
Paulo e a filha Amanda: separação precoce

“Em nenhum momento achei que ela tivesse desaparecido. Aprendi a lidar com a dor enxergando a partida como algo natural, um pedaço da própria existência – a morte significa um novo jeito de existir. Nem sei com que frequência penso nela. Sei lá, todos os dias? Se eu escuto uma música que gostávamos de ouvir juntos, vou pensar em nós, claro, mas de um jeito diferente: ao invés de ‘eu queria que você estivesse aqui para ouvir isso’, penso ‘se você estivesse aqui, iria amar ouvir isso’. Ela aparece para mim das formas mais variadas, nas coisas que eu vejo, nas coisas que eu faço. Quando me perguntam se tenho filhos, sempre respondo: ‘Sim, uma filha. Ela não está mais aqui com a gente’.
Nossa história começou quando ela nasceu, dois anos depois do meu casamento – casei cedo, aos 22, mas logo me separei. Foram quatro anos até o dia em que ela foi morar comigo. E foi assim, desde então. Vivemos juntos desde os seus oito anos até o momento da sua partida.
Amanda sempre foi a minha prioridade. Tivemos uma relação muito forte, talvez até incomum entre um pai e uma filha, especialmente naquela época. Mesmo com a vida agitada da agência, cheia de coquetéis e viagens, sempre preferi ficar com ela. Nossas memórias estão vivas: lembro com clareza de datas, como do 7 setembro de 1998, quando ela aprendeu a andar de bicicleta no Ibirapuera; ou do dia 20 de dezembro de 2008, nosso último passeio a pé – assistimos Vicky Cristina Barcelona no Reserva Cultural e depois saímos caminhando pela Paulista de ponta a ponta. Eu tinha medo de esquecer das pequenas coisas, mas lembro de tudo, a toda hora: inclusive de que nunca ia dormir sem antes lhe dar um abraço de boa noite.
Aos 18 anos, ela tinha acabado de entrar na faculdade (a mesma que eu havia cursado) e estava, de certa forma, encaminhada, com estágios garantidos. E feliz. Até o dia em que voltou da aula, tomou sol (o porteiro do prédio me contou), falou com a Bel, a moça que trabalhava na nossa casa, e foi deitar. Eu estava no trabalho quando a mãe dela me ligou à tarde, preocupada, dizendo que ela não atendia o telefone. ‘Normal da idade, claro que está tudo bem’. Voltei para casa no horário de sempre e encontrei a porta do quarto fechada, com a luz da TV passando pela fresta inferior. Ela estava lá dormindo, linda. Fui dar um beijo nela e senti seu rosto frio. Chamei um vizinho médico, depois o SAMU. Tentamos trazê-la de volta, mas ela já havia partido. Desligou.
A causa oficial, segundo o laudo, foi um edema pulmonar agudo. Nunca tinha acontecido nada similar na família, mas não havia o que fazer – era preciso aceitar. Por sorte, toda a nossa história me confortava.
A energia boa das pessoas próximas me amparou. Como ela teve uma morte incomum, o funeral aconteceu dois dias depois e logo já me vi cercado de gente querida. Esse apoio me anestesiou. Tanto que, desde seu velório me tornei mais frequente nos velórios da vida, pois entendi o quanto é importante estar presente – mês passado, o pai de um amigo faleceu em Pirassununga num domingo, logo depois de eu ter retornado a São Paulo (Pirassununga é minha cidade natal). Parei tudo e voltei para a estrada.
Mas chega uma hora em que, depois de tanto amparo, as pessoas que nos cercam vão tocar suas vidas. E a gente fica, tentando encontrar um jeito de seguir. No meu caso, passei a trabalhar pela memória dela, dia após dia. Editei vários vídeos e coloquei todos no Youtube.
Também montei a playlist da sua vida – nós amávamos música, era parte fundamental do nosso relacionamento. E de uns tempos para cá escrevo nas redes sociais em seus dois aniversários (o de chegada e o de partida) coisas como ‘25 curiosidades aleatórias sobre a Amanda Camossa’ (duas: ela nunca misturava arroz e feijão e preferia misto frio a misto quente). Não concordo quando dizem que ela viveu pouco. Ela viveu muito por 18 anos, influenciou profundamente quem vivia ao redor. Ela é de uma intensidade incrível. Ela é – assim mesmo, no presente.
Outro dia trombei um amigo que não via há anos: ‘Pô, e como está a Amanda? Deve estar enorme, né?’. Dei um abraço forte nele: ‘Que bom que você se lembra dela! Mas ela não está mais aqui’. E ele: ‘Como assim, mano? O que aconteceu?’. O cara ficou desolado, achou que tinha dado um fora. Mas, poxa, não precisava: ‘Não te falei que fiquei imensamente feliz só pelo fato de você perguntar por ela?’.
Não sou cético e de fato não acredito que a vida é só o que temos aqui. Minha formação é católica e minha crença ligada ao Kardecismo. Porém, fé é algo que transpõe doutrinas. Prefiro não falar de religião porque essa ideia nos leva a seguir uma corrente só. A fé é um feeling, um sentimento, uma certeza de que existe algo além. No meu caso, de que a minha filha está comigo. Minha serenidade é 100% fé.
Já tive vários encontros com a Amanda. Há sonhos que são sonhos e há sonhos que não são sonhos. Algumas vezes, eu a sinto no vento. Claro que tenho saudade – e isso não é, necessariamente, ruim. Saudade é uma forma de presença: a gente só sente do que já foi bom. Às vezes, bem às vezes, sinto um aperto mais forte, dolorido. Mas passa. Sei que a nossa ligação vai muito além daqui.
A Amanda me fez parar para pensar em mim. Eu tinha um trabalho que adorava, mas havia uma inquietação: o que eu mais gostava de fazer era insignificante para a agência. Eu ficava feliz quando conseguia ajudar produtores de conteúdo a viabilizarem seus projetos – eu trabalhava com mídia, conhecia bem o mercado. E pensava: ‘se nada diferente acontecer comigo, ainda tenho uns 40 anos pela frente. Vou querer viver muito ou pouco?’. Até que a minha cabeça começou a se organizar para viver… muito. E decidi ser leve. Abandonei o carro e passei a caminhar exaustivamente pela cidade, do Ipiranga ao Carandiru. Reconquistei uma simplicidade que sempre esteve dentro de mim – mesmo quando publicitário, nunca gostei da bajulação –, mas que havia se apagado exatamente por eu nunca ter parado para me escutar.
Tirei um ano sabático, aprendi a mergulhar, a mixar música, a editar livro e fiquei um tempo em Boston dando um tapa no inglês. Todos esses cursos me ensinaram muito mais que suas próprias metodologias – o mergulho, por exemplo, é um curso ‘de cagadas’, em que você treina para se virar em situações que podem dar errado (mas no final dá tudo certo). Na mixagem entendi que coisas diferentes podem combinar entre si para criar uma outra coisa. E hoje faço exatamente isso: misturo sem medo conhecimentos aleatórios que adquiri ao longo da vida. Acabei de abrir minha própria empresa e alugo uma cadeira em um espaço de co-working ao lado de pessoas fantásticas, que me ensinam todos os dias. Tenho uma vida mais flexível, como sempre quis.
A ideia de viver muito – e bem – veio da Amanda. Foi ao entender a intensidade da sua existência que resolvi levar a minha na direção das coisas que me movem de verdade. É como se ela me dissesse todos os dias: ‘vai viver, cara’.

A gente tem que acreditar em algo. Senão, não vai valer a pena.


No fundo, acho que ainda acredito é na força do que vem dos pequenos gestos e permanece para além dos percalços. No convite para um café no fim da tarde, no ouvir música abraçado no sofá, na poesia torta escrita em guardanapo de restaurante 24 horas. E nos presentes que são extensão daquilo que somos: o livro favorito, o disco marcante, o coração inteiro.

Ou, simplesmente, em mim e em você.