domingo, abril 26, 2009

Não lhe restava muita coisa


E ele que sempre gostava de silêncio logo após chegar em casa. É fato, a vida não estava fácil naquele tempo. Roberto estava mentalmente cansado. Havia tempos...Ainda assim sempre repetia o mesmo ritual; retirava as cartas da caixa de madeira e as jogava sobre o lençol, as cartas ficavam abertas, mas daquela forma ansiosa que os amantes abrem.

Com as pernas quase cruzadas, os óculos recostados na ponta do nariz e a luz da luminária baixa, compondo-se, assim o visual que todos podem imaginar. Ele se escondia na sua escuridão controlada.

Para qualquer um que pegasse aquelas letras fortes e azuis, num papel branco e até gasto não falariam nada a não ser: são palavras. Para Roberto, eram mais do que palavras, eram tiros, facadas, tapas. Dor.

O clima era de silêncio total, sendo que o único barulho vinha de dentro do corpo de Roberto. Um coração em ritmo lento, e cada parte do seu corpo gritando e querendo sair, ir embora de uma vez por todas. Mas não se separavam; todas as noites a cama estava lá, as cartas também. Ele não.

Todas as noites começavam e terminavam da mesma forma. Lia cada frase já decorada, e abria a janela para tragar um pouco de ar, tentando se purificar com o coração vago e o pensamento aflito. Depois abria um livro e pensava que aquelas linhas não eram para ele e sim para todos... Eram frases ditas para todos, sem sentido nenhum para ele.

Só não percebe que as cartas também perderam o sentido, pois aquela não era mais a sua vida, nem ela era mais dele. Somente ele acreditava que ainda era ele.

Talvez a porta ainda se movesse, o armário ficasse maior que o normal, as janelas gigantes e ela cada vez menor dentro do quarto. Ali esperava, sentado, e escrevia apenas o que precisava dizer:

“Lembrei de você no meu fim também...”

Um comentário:

Eric Bustamante disse...

Qualquer um pode imaginar o cace... Que desgraça seria essa posição de “pernas quase cruzadas?” Filhinho, se você imaginar como realizei um cara com as pernas meio cruzadas vai morrer de rir. Mas coitado do Roberto. Essa mau-caráter ferrou com ele.