segunda-feira, janeiro 24, 2011

Conversas Noturnas - Parte VIII


Ele vem.
Senta bem ao meu lado.
- O que você faz aqui, cara?
- Pois é... Gosto de vir por aqui, pensar e às vezes pensar que nem mesmo estou aqui de verdade.
- Legal!
- É.
- Deixa eu te pagar um uísque.
- Não bebo uísque, cara! Desculpa!
- Mas e esse copo aí?
- Isso era um Jack.
- Mas Jack é uma bebida, é um uísque...
- Não. Jack não é uma bebida. É algo além...
- Você é louco.
- Devo ser.
- Uma cerveja então!
- Uma cerveja ok.
- Qualquer uma?
- Não, aquela lá da garrafa verde.
- Hahaha, cara você não muda…
- Muito pelo contrário, agora sim eu mudei, não ta me vendo?
- Mas largou tudo? Trabalho? O que deu em ti?
- Cara, tudo isso ta em mim, não deu nada em mim, não tem como eu largar, saca?
Levanto.
Jukebox.
Overkill.
- Men At Work, cara?
- Pois é.
- Cara, “meu pai” deve escutar isso.
- Ele deve ser um cara legal...
- Mas conta, o que te trouxe para esses lados?
- Algumas coisas, aliás, muitas coisas. Gosto do mar, do cheiro do mar, até de algumas pessoas que circulam por aqui...
- Curte praia?
- Nem tanto. Mas o mar me acalma.
- Andava nervoso?
Sempre me perguntam isso.
- É difícil de explicar.
- Como assim?
- Às vezes a chaleira apita. E tem tanto ódio dentro de mim que tudo parece um tremendo engarrafamento em minha cabeça, com gente nervosa se xingando, impaciente, as buzinas e tudo mais… Me sinto dentro de um estádio de futebol, bem no centro do gramado, em que o público só que ver meu próximo “ato”.
- Cara, você já procurou “ajuda”?
- Já.
- E aí?
- Não adiantou.
- E o que você fez?
- Me conformei oras.
- E acabou ficando aqui…
- É como uma televisão. As vezes os programas repetem tanto, mas TANTO, que você simplesmente TEM que mudar de canal.
- Ou desligar.
- Ou jogar um martelo.
- Hahaha... Pois é.
- As vezes saio por aqui a noite sabe, pego uma bebida e ando pelo mar. Prefiro a noite. O sol me incomoda. E além de tudo é bem mais calmo. Dá para sentir e ouvir os sons.
Levanto.
Jukebox.
Shine on you crazy diamond.
- Que porra é essa?
- Gosto do riff. Me faz me sentir mais a vontade por aqui...
La bem ao fundo tem um russo que chega e faz um sinal dizendo que gostou da música.
Levanto o copo em resposta.
Rola um silêncio.
- É, o riff é bom mesmo…
- Eu disse.
- E de resto?
Conversa de elevador. E o camarada esperando mais e mais, quase babando por mais informações. Eu também sou meio assim.
- E o que pretende fazer agora?
- Continuar mudando.
- Não, eu digo da vida.
- Então, é isso.
- Mas e aí, depois que você mudar, o que vai querer então?
- Depois é depois. Como eu vou saber?
- Não sabe o que quer?
- Sei sim. Quero ficar bem.
- Sabe que pode me ligar quando quiser, né?
Não tenho o telefone dele. Nunca tive. Mas até que é um cara bom.
- Você lembra de como nos conhecemos?
- Não muito. – As vezes as memórias ficam confusas em minha mente e tenho uma preguiça enorme de desenterrar tudo aquilo. Então deixo como está.
- Eu também não me lembro.
- Deve fazer uns dez anos...
- Por aí.
- Já passam das 3h. Vou pegar uma saideira.
- Vai pra onde daqui?
- Provavelmente andar pela praia até chegar em casa.
- Não quer a caideira em outro lugar?
- Não, eu estou começando a pegar gosto por dormir em horários humanos.
- Vou colocar a última.The Jean Genie.
- Ah não, aí já é demais ha ha ha ha Chega pra mim.
Apertamos as mãos.
Outra sensação estranha.
Ele se levanta e sai.
Olho pra cerveja e aprecio lentamente enquanto o gelado fode mais um pouco com minha garganta.
Então ele volta como se estivesse esquecido de algo.
- Ah, só mais uma coisa.
- Fala.
- Me desculpa pela cicatriz.
- Que cica… Que???
- Essa mesmo...
- Vai querer mais alguma coisa?
E no instante em que me viro para o russo e volto a olhar para a mesa estou sozinho outra vez.
- Estou bem. Só acho que bebi demais e que estou um pouco cansado. Os uísques estão pagos. As duas cervejas meu amigo já pagou, não pagou?
- Que amigo? Você bebeu sozinho a noite inteira…
(…)
“The Jean Genie lives on his back
The Jean Genie loves chimney stacks
He's outrageous, he screams and he bawls
Jean Genie let yourself go!”…
(…)
Paro por alguns segundos.
Meus pés formigam.
Pago tudo e saio meio apressado para a praia.
E foi a última vez que nos vimos.

2 comentários:

Emanuel Novais disse...

Puta que o pariu...
Esse ficou fino demais. E nem precisou tanto para matar o Tyler Durden, apenas alguns rabiscos na pele...

Gustavo Rodrigues S. Dias disse...

E lá vem o cara me dizer que Jack Daniels é um uísque...

Valeu, Manuca!